segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Para além do Não

Esta semana recebi de vários amigos um vídeo intitulado “Vitamina N” (N de “não”), com uma fala de um psicólogo americano (John Rosemond) conclamando os pais a dizerem mais "não" do que "sim" para seus filhos, e questionando se nossos filhos estão recebendo “doses suficientes de vitamina N”.

Imagino que ninguém duvide da importância de ensinar os filhos a ouvir um "não" e de efetivamente dizer-lhes “não” quando preciso for.

O “não” na educação da crianças é estruturante de sua personalidade, e as ajudará a lidar com as frustrações que surgirão no decorrer de sua vida.

Neste sentido, o video ajuda a nos lembrar disto. E acho que por isso mesmo ele vai sendo replicado e compartilhado por pais e mães bem intencionados e desejosos em aprimorar sua maneira de educar seus filhos.

Mas lamento que o video tenha ficado apenas na ênfase do “não”.

Confesso a vocês que, na minha posição de educador, psicólogo e pai, tenho muita dificuldade em me identificar com este discurso que enfatiza o “não”, ao invés de enfatizar o afeto e a percepção das necessidades das crianças. Esta ênfase no “não” passa a ideia de que o grande problema das crianças atualmente é que não lhe disseram "não" o suficiente. O que, para mim, é uma compreensão muito rasa, que desconsidera a complexidade das relações familiares e sociais.

O que tenho visto é que muitos pais, com medo de criar um filho “mimado”, se vêem na obrigação de dizer “não”, mesmo quando seria possível dizer sim. Parece que a paternidade virou uma competição do tipo “quem manda mais”. “Ele tem que aprender a me obedecer”. “É não e pronto”.

Já vi pais tratando filhos com rigidez, com críticas excessivas, com inflexibilidade, com intolerância a mínimos erros. Já presenciei cenas de mães sendo estúpidas com suas crianças porque elas estavam sendo… crianças. Já observei pais com um nível de cobrança e exigência pesado sobre a criança, pais que não dão espaço pros erros que fazem parte do desenvolvimento de qualquer ser humano. Já presenciei pais e mães puxando orelhas, dando beliscões, batendo na bunda, ameaçando com chinelos, tudo em nome da “boa educação”.

E para mim, inflexibilidade, rigidez, intolerância, excesso de crítica, agressividade, são tão prejudiciais quanto deixar de dizer “não” quando necessário.

O próprio John Rosemond, autor do video, infelizmente é adepto da ideia de que “bater numa criança pode ser efetivo, e não lhe é prejudicial” (ele escreveu isto num texto de 2014 intitulado "Spanking is not a clear cut issue for every parent").

Uma pena também que o vídeo traga algumas ideias clichês, que são aceitas como verdade sem muita reflexão crítica: por exemplo, a ideia de que a saúde mental das crianças dos anos 50 era melhor que as de hoje porque elas tinham menos coisas, ou ainda a crença de que a falta de “não” fez com que as taxas de depressão em crianças e adolescentes disparassem nas últimas décadas.

Enfim, acho que a tal Vitamina N (de Não) só terá efeito real se vier acompanhada da Vitamina S (de Sim), da Vitamina A (de Afeto), da Vitamina P (de Presença), da Vitamina R (de Respeito). O "não" só vai funcionar se vier dentro de um conjunto vitamínico que engloba toda a complexidade da relação entre pais e filhos.

De minha parte, com todo o respeito ao meu xará John, eu continuarei dizendo SIM pros meus filhos, muito mais do que "não". Direi SIM pras necessidades deles, pra ficar no meu colo, pra dormir na minha cama quando estiverem com medo, pra poder ter brinquedos legais, e até de quebrar alguns deles de vez em quando - sim, acontece com qualquer criança.

E sempre que for preciso, também receberão um "não".


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