sexta-feira, 29 de março de 2013

Páscoa

A vida é feita de pequenas ressurreições diárias, de contínuos recomeços, de delicadas restaurações. Se somos sensíveis a estes movimentos, fica mais fácil compreender o real significado da celebração da Páscoa. 
A história do triunfo de Jesus sobre a Morte é a inspiração que podemos ter para enfrentar - e superar - as nossas pequenas mortes de todos os dias.


quinta-feira, 21 de março de 2013

Entrevista sobre violência infantil

Nesta semana tive a honra de ser entrevistado pelo website Mamatraca, para falar a respeito de violência infantil.
Você pode conferir a entrevista clicando na imagem abaixo, e aproveitar pra conhecer o site delas, que é muito legal.


quarta-feira, 20 de março de 2013

A primeira birra a gente nunca esquece

Quando meu filho tinha dois anos, chegou a hora dele nos “presentear” com a sua primeira birra clássica. Era de noite, hora de mamar na cama e dormir. Porém, ele queria mamar na sala em frente à televisão, o que era algo que não queríamos que ocorresse. Colocamos o menino no quarto e ele começou a chorar alto, ficar de pé no berço, pedindo para ir pra sala. Como não é um hábito que queríamos incentivar, achamos que ceder naquele momento abriria brechas para que em outros dias o mesmo pedido se repetisse. Assim, ficamos firme na posição “você vai mamar no quarto porque é hora de dormir”. Ele não aceitou e começou a chorar mais alto e gritar.

Eu iria assistir futebol e minha esposa que estava com ele no quarto me chamou pedindo ajuda. Entramos os dois no quarto, fechamos a porta e repetimos a ordem de não sair do quarto. Minha esposa o pegou no colo e ele continuou gritando. Ele levantava e ia em direção à porta querendo sair. Sentei-me no chão à frente da porta e disse: papai e mamãe estão aqui contigo pra te ajudar a passar por essa birra. Nós não vamos bater em ti de jeito nenhum, mas nós vamos te ajudar. Do quarto ninguém vai sair, essa é a posição do papai e da mamãe. Seu choro não vai mudar isso. Se quiser pode deitar aqui no chão, ou voltar pro berço, onde preferir, mas do seu quarto você não sairá, ok?

Aguentamos firmes a birra inicial e ele, que já estava com sono, foi cedendo aos poucos à nossa posição. Enquanto eu me mantinha sentado no chão obstruindo a porta, minha esposa voltou a abraçá-lo forte, mesmo que ele a princípio não quisesse. Este contato de corpos que se dá no abraço firme, apesar da resistência inicial da criança, é muito mais seguro para ela do que um contato rápido de um tapa na bunda. O tapa aumenta a ansiedade, o abraço acalma.

Aos poucos ele foi se tranquilizando, resolveu deitar numa almofada no chão, que era uma parte de nossa negociação com ele que podíamos aceitar. Pegou a mamadeira ainda choramingando, mas já sem a intensidade de antes. Ficamos ali no escuro do quarto, em silêncio, dando a nosso filho a nossa presença firme. Minha esposa no sofá-cama, eu sentado no chão e nosso filho mamando deitado sobre a almofada. Uma cena aparentemente cômica, mas que foi fundamental para mostrar a nosso filho quem é a autoridade aqui em casa.

Esta foi a primeira birra dele. E a última. Em nenhum outro momento nos anos seguintes ele repetiu tal comportamento. Foram aproximadamente cinquenta minutos de “luta” com nosso filho até ele dormir tranquilo, sem precisar apelar para nenhum tipo de punição física.

Quando terminou tudo, vi que o segundo tempo da partida de futebol que eu iria assistir naquela noite já havia terminado. Não estou lembrado se meu time ganhou ou perdeu naquela noite.

Mas a minha família ganhou.

sexta-feira, 15 de março de 2013

Autoridade

Nos debates sobre punição física infantil, há uma idéia que circula habitualmente: os pais precisam às vezes dar uma palmada na criança para mostrar a sua posição de autoridade na família. 

Poi eu sugiro um raciocínio diferente: a palmada, ao contrário de afirmação de autoridade, é consequência da sua ausência. 

Quando um cuidador perde a autoridade, fica mais vulnerável a atitudes de descontrole e impaciência, mais próximo de “perder as estribeiras”. 

Se queremos que nossos filhos confiem em nossa autoridade, nosso desafio é mostrar-lhes não apenas que somos maiores ou mais fortes, mas que somos adultos que buscam enfrentar adversidades e irritações com auto-controle e maturidade. 

Isto servirá de exemplo para a criança, e será um modelo emocional muito mais eficaz que uma palmada, surra ou gritaria.

segunda-feira, 4 de março de 2013

O mundo mudou

Ao questionar o uso da punição física como forma de educar as crianças, não estamos enfatizando a idéia de que todos que levam palmadas viram bandidos ou pessoas agressivas. Esta é uma interpretação muito rasa. É claro que muita gente que levou palmada na bunda quando criança não se transformou num perigo pra sociedade. 

Não é disso que estamos tratando. Estamos falando de ensinar a criança, com nosso exemplo, que nós temos o desafio de encontrar alternativas não violentas - sejam elas em qualquer grau - para resolução de conflitos. 

Entendo quando as pessoas argumentam que “na sua época” levaram palmadas e nem por isso tornaram-se bandidos ou pessoas com problemas. 

Provavelmente, essas pessoas que, assim como eu, viveram “essa época”, também vão se lembrar, por exemplo, de que quando eram crianças andavam tranquilamente de carro sem a necessidade de usar cinto de segurança - aliás, a maioria dos carros nem possuía tal recurso. 

Pergunto-me se essas pessoas hoje colocam cinto de segurança em seus filhos pequenos ou acreditam que pelo fato das crianças daquela época não usarem cinto, então as de hoje também não necessitam. 

Tudo bem, estas pessoas argumentarão que a situação é diferente, que o trânsito hoje está muito mais violento que tempos atrás. 

Concordarei, e responderei que a sociedade atual - não apenas o trânsito - está mais violenta em comparação com a de “nossa época”. 

Talvez estas pessoas que, assim como eu, viveram "essa época", também hão de lembrar-se, por exemplo, que na nossa infância ficávamos brincando na rua até tarde da noite, sem a supervisão constante dos pais. 

Pergunto-me se estas pessoas hoje têm uma preocupação maior em relação à segurança de seus filhos, não permitindo que fiquem sozinhos pelas ruas até tarde da noite, ou sentem-se tranquilas em fazer da mesma maneira que seus pais faziam à epoca em que eram crianças. Afinal, se antigamente não havia tal preocupação, então hoje poderíamos relaxar e deixá-las à vontade, pois "assim era na nossa época". 

Ok, provavelmente argumentarão que a situação hoje é completamente diferente, que a violência urbana está desenfreada. 

Concordarei: realmente, a violência urbana vem crescendo a cada dia. E direi que esta "violência urbana" não é uma entidade isolada que aparece apenas nas nossas ruas, mas é fruto de um contexto muito mais amplo, cujo núcleo formador encontra-se na banalização cultural da violência, quando não nos damos conta das pequenas práticas de violência cotidiana, dentro até mesmo de nossas protegidas casas. 

Como todos nós já percebemos, o mundo mudou. 

O trânsito ficou mais violento, e os pais mudaram a sua conduta com as crianças nos veículos, usando o cinto de segurança, ou não permitindo que elas viajem no banco da frente. Na "nossa época" não havia nada disso, lembram? Mas hoje não há pai responsável que aceite a idéia de negligenciar tais regras de segurança.  

As ruas também ficaram mais violentas, e nós pais tivemos que mudar nossas regras para garantir maior proteção a nossos filhos. Hoje em dia, não há pais responsáveis que não estejam muito mais atentos aos locais que suas crianças frequentam, às pessoas com as quais elas se relacionam, ou aos horários em que elas devem estar em casa, a fim de promover sua segurança. 

Não ter usado cinto de segurança na infância não nos matou. Brincar despreocupadamente até mais tarde na rua não fez a gente ser sequestrado naquela época. Mas nem por isso nós deixamos de nos adaptar, e hoje mudamos nossas práticas nestas áreas. 

Levar uma palmada pode não ter causado nenhum trauma em nós, pode não ter nos transformado em crimonosos. Mas por que insistir numa prática que vai contribuir com a banalização da violência? Por que não oferecer às nossas crianças alternativas educacionais mais conectadas com uma cultura de paz e afetividade? 

Éramos crianças em outra época. A violência, apesar de já enraizada na nossa cultura, não era tão banalizada, tão naturalizada, tão visível. 

Mas os tempos são outros. A cultura da violência está aí nas nossas ruas, nas nossas portas, nos noticiários, no trânsito, nas gritarias que ecoam do apartamento vizinho - ou até do nosso mesmo, nas pessoas andando armadas, nos bullyings nas escolas, nos “esportes” que valorizam socos, sangues e pontapés - e que hoje ganharam até o horário nobre da Globo. 

Como romper com esta cultura? Começando em casa. Valorizando o diálogo ao invés da gritaria. Valorizando o toque afetuoso ao invés do tapa. Valorizando o respeito ao invés da zombaria. Valorizando a paz ao invés da violência. Valorizando a autoridade assertiva ao invés da palmada. 

Não se trata apenas de “não espancar”. Isto seria o mínimo esperado de pais responsáveis. Trata-se de encontrar meios diferentes e eficazes de se educar pela paz, sem aceitarmos passivamente qualquer forma de agressão física.