Quero usar o post de hoje para conversar sobre o caso do garoto - Casey Heynes - que revidou um ato de bullying numa escola na Austrália e se tornou "herói" na internet.
A agressão foi uma forma de defesa, uma explosão de um menino que provavelmente não aguentava mais a humilhação e desrespeito. Sob este ponto de vista, a atitude de Casey é compreensível e até mesmo justificável.
O risco é ela tornar-se protótipo para a solução do bullying, o que perigosamente reduz a complexidade que envolve o tema.
Uma rápida leitura nos comentários do video nos dá uma noção de como a esmagadora maioria apoiou a agressão de Casey. "Herói", "ídolo", "exemplo para acabar com o bullying", são algumas das opiniões que lemos nestes comentários.
Nenhuma surpresa, se considerarmos tais opiniões como um reflexo de uma sociedade na qual somos todos estimulados a pensar na agressão como um meio de solução de problemas. E muitas vezes como uma única opção.
Entretanto, permitam-me sugerir que façamos um exercício de imaginação: Se o caso do Casey não tivesse sido gravado nem caído na web, o que teria acontecido com o menino no dia seguinte? Que tipo de desdobramentos poderíamos imaginar para este episódio, caso ele não viesse à tona?
Uma opção talvez seria: o autor do bullying aprendeu a lição e não vai mais repetir o ato, enquanto o menino vítima seguirá sua vida agora livre de qualquer ato de bullying.
Pode até ser uma possibilidade, mas confesso que tenho dúvidas sobre ela.
Fico mais propenso a acreditar - ou imaginar - que o desdobramento mais natural para este caso seria mais ou menos o seguinte: amigos do Richard (o menino que apanhou) se reuniriam e se vingariam de Casey, com mais violência. Casey teria duas opções: voltar a sujeitar-se ao bullying ou intensificar mais ainda a resposta de revide, tendo que aumentar o grau de violência para se fazer respeitado. E consequentemente, mais agressão como resposta e mais violência como contra-resposta, numa retro-alimentação interminável de violência e agressão.
Mas o vídeo caiu na rede mundial. E aqui está, para mim, a diferença neste caso.
Não será a agressão por si só que fará cessar o bullying na vida de Casey, mas o rompimento do silêncio que envolvia o caso. O que alimenta o bullying não é apenas a ausência de revide, mas principalmente o silêncio imposto pelo sistema no qual a vítima está envolvida, e esse silêncio é o que possibilita a perpetuação e manutenção do bullying sobre a criança ou adolescente.
Com a propagação do vídeo, o caso veio à público, e com isso a rede de testemunhas até então restrita às paredes da escola foi significativamente ampliada. Essa ampliação da rede de testemunhas quebrou o tripé que sustenta o bullying: um alvo, um autor (ou autores) e um grupo de espectadores (apoiadores, que nem sempre praticam diretamente mas tornam-se coniventes pelas risadas, pelo apoio indireto ou até mesmo pelo silêncio vindo do medo de denunciar o ato).
No caso de Casey, a internet - e a propagação viral do video - expôs de tal modo a situação que acabou servindo como um fator de proteção ao garoto contra algum tipo de revide/vingança ao qual ele pudesse ser submetido dias após o ocorrido.
Porém, todos sabemos que não é isso que acontece com as inúmeras crianças e adolescentes que sofrem de bullying por aí afora. Eles não terão vídeo no youtube, não terão a mesma repercussão midiática, não contarão com apoio de uma comunidade mundial.
Então não nos iludamos. Encarar o revide de Casey como solução para o bullying é desconsiderar o caráter perpetuador da violência, é desconsiderar o fato de que a violência inevitavelmente clamará por mais violência.
Bullying se alimenta de violência. Responder a ele com violência só irá fortalecê-lo ainda mais.
Então o que explica essa reação ao vídeo do garoto? Eu tenho uma hipótese: o menino fez o que muita gente já teve vontade de fazer com algum "mala" que o incomoda. Ele, sem saber, em seu ato de fúria, tornou-se porta-voz de um número incontável de pessoas que já passaram - ou passam - por algum tipo de humilhação ou desrespeito. Trata-se talvez de uma "catarse coletiva virtual", em que o indivíduo se sente representado por Casey em uma fantasia de vingança por alguma história de sua própria vida.
Portanto, não vejo o ato de Casey, ao contrário do que muitos possam acreditar, como sendo a solução para o grave problema do bullying. Ao contrário, vejo nesta "solução" um forte equívoco, e uma tentativa ilusória de encontrar um resposta simples para um fenômeno de grande complexidade.
Sei que buscar a opção da não violência num país que idolatra o Capitão Nascimento será motivo de muita crítica, mas não consigo - e nem pretendo - pensar diferente disso.
Mais algumas pequenas reflexões sobre Bullying:
Qual o papel da Escola?
Identificar com mais propriedade atos de Bullying que ocorrem em seus domínios. E, mais difícil ainda, admitir que eles ocorrem e tomar providencias no sentido de cessar tais atos. Isto requer da escola uma postura de promoção de diálogo aberto entre alunos, pais e educadores.
O que os pais podem fazer para prevenir?
Aprender a reconhecer nos filhos sinais de que eles estão passando por alguma dificuldade resultante de bullying (o garoto Casey chegou a ter ideação suicida).
Assumir uma postura de interesse nas atividade escolares dos filhos. Atividade escolar não é só nota de prova; é também conhecer o que eles fazem lá, do que gostam, do que não gostam, como são suas amizades, de que maneira eles se relacionam com os colegas, o que eles fazem na hora do intervalo, quais são seus amigos mais chegados etc.
Também considero importante que os pais busquem relacionar-se com os pais dos colegas dos filhos, formando uma rede que pode ser benéfica para uma rápida detecção de algum problema que porventura venha a surgir.
Mudanças de comportamento do filho, desânimos para ir à escola, vestígios de isolamento social ou insatisfação constante, todos estes aspectos podem ser alguma sinalização de que algo está errado, e os pais têm o desafio de estar atentos à isto.
Outro ponto importante é o efetivo contato dos pais com os professores e educadores. Tem reunião dos pais na escola? encontro com orientadora pedagógica? prioridade zero!
Uma última palavra
Não podemos nos esquecer de que os autores de bullying também são crianças e jovens que necessitam de muita atenção, pois o próprio ato covarde do bullying já nos impõe a suspeita de que esta criança também precisa de ajuda. São na maioria das vezes crianças extremanente inseguras, que vivem uma necessidade de reconhecimento social, de tornarem-se os "populares" da escola. Sua força e comando são apenas uma maneira desesperada de ocultar sua profunda fragilidade. Não é a toa que se transformam em agressores.
Sugestão de leitura:
Bullying e desrespeito: como acabar com essa cultura na escola.
Autores: Marie-Nathalie Beaudoin e Maureen Taylor.
Editora Artmed, 2006
Bullying na Adolescência. (Cap. 7 do livro "Adolescentes: o desafio de entender e conviver")
Autora: Denise Franco Duque
Editora Insular, 2011
Entrevista com Casey Heynes, o menino alvo e bullying
Entrevista com Richard, considerado autor do bullying