segunda-feira, 31 de maio de 2010

Adolescência: dilemas e oportunidades


O período da adolescência é marcado por uma série de profundas mudanças, que atingem não apenas o adolescente, mas toda a família envolvida no processo. Este período, geralmente concebido como sinônimo de crise, angústia, perturbação e turbulência, também pode ser uma oportunidade de crescimento, se observado numa perspectiva mais ampla, levando-se em conta a complexidade da vida familiar.

Se compreendermos a família como um sistema em constante transformação, entenderemos a adolescência como um momento especial que impulsionará a família na direção de novas configurações e novos padrões de interação. Sob o ponto de vista sistêmico, portanto, a adolescência caracteriza-se como um período de transformação e reorganização das relações familiares.

Mais do que uma experiência pessoal vivida por um determinado indivíduo, a adolescência é a experiência coletiva de uma família em transição e em interação.

Então, quando falamos de adolescência, falamos não apenas do adolescente, mas de todo o sistema familiar, pois o crescimento dos filhos pressupõe também o desenvolvimento dos pais diante desta nova realidade, assim como exige também um reposicionamento dos avós, irmãos mais velhos, irmãos mais novos, tios, etc.

E desta nova realidade resultam importantes mudanças, que fazem deste tempo um processo necessário no caminho da maturidade.

A autoridade unilateral até então exercida pelos pais sobre suas crianças desloca-se para uma autoridade mútua em que os adolescentes compartilham mais ativamente do processo de tomada de decisão, e passam a exercitar um aumento gradual de responsabilidade pessoal sobre si mesmos.

É neste momento que os processos de diferenciação pessoal ganham força, intensificando no adolescente a busca por uma identidade própria, autônoma, separada das identificações com os pais. Para isso, necessitam expressar suas críticas, assumir posturas, fazer escolhas, muitas vezes em oposição aos próprios pais.

É neste momento também que surgem com força total as ambivalências da adolescência: o desejo de crescer se funde com o desejo de continuar criança; o movimento de oposição aos pais se dá ao mesmo tempo em que buscam a confirmação paterna; ao lado do pedido de "não me incomode", vem a solicitação de "não me abandone"; enquanto dizem "sou dono do meu nariz" também pedem "fiquem de olho em mim"; ao mesmo tempo que suplicam por liberdade, demonstram que necessitam de limites claros.

Por sua vez, os pais, mergulhados neste mundo novo da adolescência de seus filhos, também vivenciam seus próprios dilemas, que os colocam em sentimentos paradoxais em relação a esta nova fase do ciclo de vida da família. Os sentimentos ambíguos não são apenas privilégio dos adolescentes. Os pais também vivem os seus, que podem ser exemplificados com a expressão: "que bom, meu filho está crescendo, que pena, meu filho está crescendo". Vivem o paradoxo de ver com alegria seu filho se independizando, ao mesmo tempo em que sentem o fato de não serem mais necessários da mesma maneira. Juntamente com a alegria de ver seus filhos tornando-se autônomos, rondam fantasmas de abandono e perda.

Entender os dilemas e paradoxos que se apresentam a cada um nesta fase certamente possibilitará uma maior compreensão dos sentimentos e emoções que tornam este período tão especial e misterioso.

Sob esta ótica, podemos nos arriscar a "despatologizar" o período da adolescência, comumente visto como um período de crise e turbulência, e pensá-lo como um tempo rico de transformação e reorganização familiar, de crescimento positivo e exploração criativa das possibilidades da família. Um tempo de novos desafios, na busca de uma comunicação saudável, de cuidado, de suporte e confiança mútuos. Um tempo de exercitar flexibilidade, e de encorajar o adolescente a se tornar um adulto autônomo e criativo.


BIBLIOGRAFIA:
CARTER, Beth; McGGOLDRICK, Monica. As mudanças no ciclo de vida familiar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
BATISTA NETO, Francisco; OSÓRIO, Luiz.C. Aprendendo a conviver com adolescentes. Florianópolis: Editora Insular, 2. ed. 2002.


Palavras que podem fazer diferença

Limites. Os adolescentes necessitam de regras apropriadas e limites claros. Em excesso, desestimularão o crescimento e a independência, mas a falta de limites e regras pode ser vivenciada pelo adolescente como desinteresse por ele.

Autonomia. Autonomia não é sinônimo de abandono. Os adolescentes precisam aprender a "caminhar com as próprias pernas", assumindo aos poucos novas responsabilidades.

Autoridade. Autoridade não é autoritarismo. Pais que exercem autoridade saudável contribuem para o equilíbrio emocional do adolescente. Porém, atitudes autoritárias só amplificam o problema.

Adaptação. Soluções que funcionavam no estágio anterior (infância) não necessariamente funcionarão no ciclo da adolescência. O desafio é adaptar-se e descobrir novas alternativas de resolução de conflitos. Para isso, é fundamental o exercício da flexibilidade.

Afetividade. Deixar a infância para trás não implica deixar o afeto no passado. Se não dá mais pra pegar no colo na frente dos coleguinhas (isso é “pagar mico!”), os pais podem descobrir novas maneiras de continuar mostrando amor e afeto.

Vida conjugal. A adolescência é uma oportunidade para os pais reinvestirem em sua relação conjugal, pois juntos poderão sentir-se mutuamente fortalecidos.


segunda-feira, 24 de maio de 2010

O carrasco do amor


Trechos extraídos da introdução do novo livro de Irvin Yalom, O carrasco do amor.

Na terapia, assim como na vida, a presença de significado é um subproduto do vínculo e do comprometimento, e é nesse sentido que os terapeutas devem dirigir seus esforços – não que o vínculo ofereça uma resposta racional às perguntas sobre significados, mas porque faz com que essas perguntas não tenham importância.

(...)



Em seu trabalho cotidiano, quando os terapeutas se relacionam com seus pacientes de uma maneira autêntica, experienciam uma considerável incerteza. A confrontação de um paciente com perguntas sem resposta não somente expõe um terapeuta às mesmas perguntas, como ele também deve reconhecer que a experiência do outro é, ao final, inexoravelmente privada e incognoscível.

Na verdade, a capacidade de tolerar a incerteza é um pré-requisito para a profissão. Embora o público possa acreditar que os terapeutas orientam os pacientes sistemática e confiantemente por meio de estágios predizíveis de terapia até um objetivo previamente conhecido, esse raramente é o caso: ao contrário, como estas histórias testemunham, os terapeutas com freqüência hesitam, improvisam e tateiam em busca de uma direção. A poderosa tentação de obter uma certeza abraçando uma escola ideológica e um sistema terapêutico hermético é traiçoeira: essa crença pode bloquear o encontro incerto e espontâneo necessário para uma terapia efetiva.

Esse encontro, o verdadeiro âmago da psicoterapia, é um encontro afetuoso, profundamente humano entre duas pessoas, uma delas (geralmente, mas nem sempre, o paciente) mais perturbada do que a outra. Os terapeutas possuem um duplo papel: devem tanto observar quanto participar da vida de seus pacientes. Como observadores, devem ser suficientemente objetivos para oferecer a orientação rudimentar necessária ao paciente. Como participantes, entram na vida do paciente, são afetados por ela e, algumas vezes, modificados pelo encontro.

(...)



Embora estes contos sobre psicoterapia estejam cheios das palavras paciente e terapeuta, não me deixo iludir por esses termos: estas são as histórias de todos os homens, de todas as mulheres. A condição de ser paciente é onipresente; a aceitação do rótulo é amplamente arbitrária e freqüentemente depende mais de fatores culturais, educacionais e econômicos do que da severidade da patologia.

Uma vez que os terapeutas, não menos que os pacientes, precisam se confrontar com esses dados da existência, a postura profissional da objetividade desinteressada, tão necessária ao método científico, é inadequada. Nós, psicoterapeutas, não podemos simplesmente tagarelar com simpatia e exortar os pacientes a se debaterem corajosamente com os seus problemas. Nós não podemos dizer a eles você e seus problemas. Ao contrário, devemos falar de nós e de nossos problemas, pois a nossa vida, a nossa existência, estará sempre presa à morte, do amor à perda, da liberdade ao temor e do crescimento à separação. Nós, todos, estamos juntos nisso.